Taipa de pilão – sistema construtivo desenvolvido em Algarve, Portugal -, legado árabe quando da ocupação mulçumana no país entre os anos de 715 e 1249.
A taipa era, por vezes, intercalada com pilares de alvenaria sobre base de pedra. Trazida pelos portugueses e adaptada às condições do Planalto de Piratininga (São Paulo), por meio da supressão de seus alicerces e baldrames de pedra, se propagou pelo mundo colonizado com as andanças dos Bandeirantes, consolidando-se como um sistema construtivo de baixo custo, de boa durabilidade e com bom desempenho térmico e acústico para se abrigar e morar.
Apiloada a terra temperada com estrume de animal e capim, com dimensões que variavam de 0,50m a 1,00m de largura, tornou-se a única alternativa para levantar as edificações em regiões desprovidas de recursos técnicos e econômicos.
Em Itapecerica da Serra, após as precárias construções em taipa de sopapo – também conhecida como pau a pique, oriundas de sua fundação como aldeamento jesuítico – é que a taipa de pilão, coberta por telhas de barro artesanal e apoiadas em estrutura de madeira em canela preta, se difundiu como o principal sistema construtivo.
A partir de 1828, a chegada dos colonos alemães na região traz novos conhecimentos para a população, contribui com o crescimento da cidade e promove transformações na forma, na tipologia e na técnica construtiva.
Os resquícios aqui expostos compunham parte de uma casa construída entre o final do séc. XVIII e início do séc. XIX, que pertenceu a algumas das famílias tradicionais da cidade.
Não identificamos, todavia, quem a edificou, mas sabemos ter ficado em mãos de famílias que moravam nas cercanias da cidade e utilizavam-na como hospedagem para temporadas e festejos religiosos promovidos pela Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres. No entanto, somente a partir dos anos 1980 é que o imóvel, por conta da alteração de seu uso inicialmente previsto, foi completamente descaracterizado.
Demolições, puxadinhos e adaptações transformaram esse exemplar único, que traz encrustado em suas ruínas muito mais do que a terra apiloada decorrente da taipa de pilão.
Traz em seus fragmentos, além da arquitetura em si, a história, a referência de importantes elementos simbólicos que esculpem a sensibilidade dos indivíduos e desvendam os hábitos e costumes sociais de nossos antepassados. A ideia da casa está relacionada à ideia de lar e de família: a cozinha como espaço social de encontro; o quintal, a área de lazer e sua localização como imagens do espaço doméstico que fazem parte da nossa memória e do nosso imaginário.
Isso posto, podemos afirmar que o encanto desse exemplar arquitetônico, localizado no Largo da Matriz nº 88, Itapecerica da Serra, Centro, está morto. Tanto é certo que sua beleza não reside nela mas na nossa memória, agora reavivada pela preservação de seus fragmentos.
Lacir Baldusco
III CICLO DE DEBATES SOBRE POLÍTICA URBANA, AMBIENTAL E TERRITORIAL do CAU/SP